Absorver o bem

Absorver o bem

As coisas que comemos vão moldando nosso corpo. Da mesma maneira, as experiências que vivemos vão moldando nosso cérebro e constituindo nossa mente.

Uma boa parte daquilo que forma a mente permanece inconsciente, na forma de memória implícita, que inclui expectativas, padrões de relacionamentos, tendências emocionais, perspectivas gerais. A memória implícita define a configuração interna da mente com base nos resíduos acumulados durante a vivência.

De maneira simplista, esses resíduos podem ser classificados em dois grupos: os que fizeram bem à pessoa e os que provocaram danos.

O problema é que o cérebro busca, registra, armazena, recorda e reage muito mais às experiências desagradáveis: quando um acontecimento é considerado negativo, o hipocampo garante que seja armazenado cuidadosamente para ser usado como referência no futuro, afinal evolutivamente isso foi responsável por garantir nossa sobrevivência. Mas por esse motivo, mesmo quando as experiências boas superam as ruins em quantidade, as últimas naturalmente se desenvolvem mais rápido. 

Podemos e devemos usar as experiências ruins como forma de crescimento, mas não é necessário ficar carregando dores emocionais, até mesmo porque elas têm a capacidade de ir configurando o cérebro para padrões cada vez mais negativos. 

O tratamento não é suprimir as experiências negativas, não temos esse poder. Mas podemos cultivar as vivências positivas, assimilá-las e absorvê-las de modo que se tornem parte permanente do ser.

Como fazer isso?

A chave está em interiorizar o que é bom. Podemos fazer isso em três etapas:

1.Transforme fatos positivos em experiências positivas. Quando alguma pequena coisa boa acontecer, não deixe isso apenas desvanecer, traga  isso à consciência plena – esteja aberto e se deixe afetar. 

2. Curta a experiência. Faça com que dure cinco, dez, vinte segundos; não desvie a atenção para outra coisa. Quanto mais tempo algo é retido na consciência e quanto mais estimulante emocionalmente isso for, mais neurônios disparam e se conectam e maior é o rastro na memória. Concentre-se nas emoções e sensações corporais, pois são a essência da memória implícita. Deixe a experiência tomar conta do corpo e ser a mais intensa possível. 

Fazer isso aumenta a liberação de dopamina, o que facilita a manutenção da atenção à experiência e fortalece as associações neurais na memória implícita. Não se deve fazer isso para se apegar às recompensas, mas para interiorizar essa sensação a fim de mantê-la consigo e não mais precisar buscar por ela no mundo exterior.

Uma experiência também pode ser intensificada se for intencionalmente enriquecida. Por exemplo, reforce a satisfação após concluir um trabalho complexo pensando nos desafios que você teve de enfrentar e como conseguiu aos poucos ir superando.

3. Imagine ou sinta que a experiência está penetrando de modo profundo na mente e no corpo, absorva as emoções, as sensações e os pensamentos proporcionados por essa vivência.

Por que isso é benéfico?

As experiências boas podem ser usadas para aliviar, equilibrar e até substituir as ruins. 

Quando duas coisas são retidas na mente ao mesmo tempo, cria-se uma ligação entre elas. É por isso que conversar sobre coisas difíceis com alguém que nos apoia faz tão bem: lembranças e sentimentos dolorosos são imbuídos do aconchego, do alento e da intimidade que um tem com o outro

Essas combinações mentais instigam os mecanismos da memória. 

Quando uma lembrança implícita ou explícita se forma, apenas suas características essenciais são armazenadas, não cada detalhe específico. Quando o cérebro evoca uma lembrança, ele reconstrói memórias implícitas e explícitas com base em suas características-chave, e usa sua capacidade de “simulação” para preencher os detalhes que faltam, de forma tão rápida que não percebemos a regeneração de cada memória.

Esse processo de reconstrução lhe dá a oportunidade de mudar aos poucos as nuances emocionais de sua configuração interior. 

Ao evocar intencionalmente emoções e perspectivas positivas enquanto memórias implícitas ou explícitas dolorosas ou limitantes estão ativadas, faz com que a amígdala cerebelar e o hipocampo as associem com aquele padrão neural, fazendo com que essas influências boas sejam lentamente entremeadas com más lembranças. Sempre que isso ocorrer,  um pouco da estrutura neural é construída. Com o tempo, o impacto acumulado desse material positivo vai, sinapse por sinapse, produzir mudanças no cérebro.

O contrário também é verdadeiro, trazer à mente sentimentos e pensamentos negativos enquanto uma lembrança é ativada faz com que ela seja levada a uma direção cada vez mais negativa, parecendo cada vez pior.

Em virtude das diversas maneiras pelas quais o cérebro altera sua estrutura, a experiência vai além de seu impacto momentâneo e subjetivo. Gera mudanças duradouras nos tecidos físicos do cérebro, afetando o bem-estar, o desempenho e os relacionamentos. Essa é uma razão fundamental e com base científica para sermos bondosos conosco, cultivando experiências salutares e incorporando-as.

Enfim, infundir coisas boas nas ruins de duas maneiras:

Ao passar por uma boa experiência, intencionalmente fazer com que ela penetre em dores antigas.

Quando algo ruim vier à tona, pensar em emoções e perspectivas positivas que sirvam de antídoto, e fazer isso ao menos mais duas vezes na hora seguinte, pois existem evidências de que a memória negativa é particularmente vulnerável a mudanças logo após ter sido recordada.

Este processo leva apenas alguns segundos. Com o tempo, estruturas cerebrais novas e positivas serão formadas.

Esses benefícios também se aplicam às crianças.

Auxilie seu filho ou aluno a desenvolver um minuto de atenção plena quando acontecem coisas boas, transformando isso em experiências, trazendo à consciência as sensações agradáveis proporcionadas por esses acontecimentos.

Incorporar o que é bom não significa achar que tudo é uma maravilha, nem fugir das situações difíceis da vida. Trata-se de nutrir o bem-estar, a satisfação e a paz interior, refúgios que estão sempre disponíveis.

Deseja ler o livro que serviu de mote para esse texto? Clique aqui e compre na Amazon: “O Cérebro de Buda”.

Gostou? Compartilhe em suas redes sociais:

Sobre o Autor

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *


Este site utiliza Cookies e Tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência. Ao utilizar nosso site você concorda que está de acordo com a nossa Política de Privacidade.